quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PM subordinada a 'dois senhores'

O capítulo dedicado à Polícia Militar, no relatório da pesquisa 'O que pensam os profissionais da segurança pública no Brasil', encomendada pelo Ministério da Justiça, chama a atenção para as dificuldades de modernização dessas corporações no Brasil.

Entre eles, o fato de, formalmente, os comandantes gerais das PMs no Brasi estarem subordinados "a dois senhores" - as secretarias de segurança e o Exército. A pesquisa é assinada pelos pesquisadores Luiz Eduardo Soares, Marcos Rolim e Silvia Ramos.

Para ter acesso à pesquisa na íntegra, acesse o link: http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJCF2BAE97ITEMID265C344CCF4B48B68EDC906D15067F01PTBRIE.htm

Abaixo, o trecho que trata da PM no estudo.

V.2. A Polícia Militar, o Exército e alguns embaraços legais

Segundo a Constituição, as Polícias Militares são forças auxiliares e reserva do
Exército (art. 144, parágrafo 6º) e sua identidade tem expressão institucional por
intermédio do Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, do Decreto-Lei nº 667,
de 02 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-Lei nº 1.406, de 24 de junho de
1975, e do Decreto-Lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983. Em resumo, isso significa
o seguinte: o Exército é responsável pelo "controle e a coordenação" das polícias
militares, enquanto as secretarias de Segurança dos estados têm autoridade sobre sua
"orientação e planejamento".

Em outras palavras, os comandantes gerais das PMs devem reportar-se a dois
senhores. Indicá-los é prerrogativa do Exército (art. 1 do Decreto-Lei 2.010, de 12 de
janeiro de 1983, que modifica o art. 6 do Decreto-Lei 667/69)
, ao qual se subordinam,
pela mediação da Inspetoria-Geral das Polícias Militares (que passou a integrar o
Estado-Maior do Exército em 1969), as segundas seções (as PM2), dedicadas ao
serviço de inteligência, assim como as decisões sobre estruturas organizacionais,
efetivos, ensino e instrução, entre outras. As PMs obrigam-se a obedecer
regulamentos disciplinares inspirados no regimento vigente no Exército (art.18 do
Decreto-Lei 667/69) e a seguir o regulamento de administração do Exército (art. 47 do
Decreto 88.777/83), desde que este não colida com normas estaduais.

Há, portanto, duas cadeias de comando, duas estruturas organizacionais,
convivendo no interior de cada Polícia Militar, em cada estado da Federação e no
Distrito Federal.
Uma delas vertebra a hierarquia ligando as praças aos oficiais, ao
comandante-geral da PM, ao secretário de Segurança e ao governador; a outra vincula
o comandante-geral da PM ao comandante do Exército, ao ministro da Defesa e ao
presidente da República. Apesar da autoridade estadual sobre "orientação e
planejamento", a principal cadeia de comando é a que subordina as PMs ao Exército.
Não é difícil compreender o primeiro efeito da duplicidade assimétrica: as PMs
estaduais constituem, potencialmente, riscos ao princípio federativo.
Nada disso foi percebido, porque o Exército tem tido imensa sensibilidade
política e tem sido parcimonioso no emprego de suas prerrogativas. Quando deixar de
sê-lo e, por exemplo, vetar a nomeação de algum comandante-geral, as consequências
serão muito sérias. Não obstante as cautelas do Exército, os efeitos da subordinação
estrutural ao Exército têm sido sentidos no cotidiano de nossas metrópoles. Na
medida em que as PMs não estão organizadas como polícias, mas como pequenos
exércitos desviados de função, os resultados são, salvo exceções de praxe, a realidade
conhecida, que não satisfaz a sociedade nem os profissionais: precariedade no
enfrentamento da problemática da criminalidade, dificuldade para exercer controle
interno (o que implica o convívio com elevadas taxas de corrupção), frequente
insensibilidade no relacionamento com os cidadãos.

Polícias não são Exércitos: são instituições destinadas a manter a paz por meios
pacíficos; a garantir direitos e liberdades consagrados pela Constituição, coibindo
práticas que os firam, recorrendo ao uso comedido da força, associado à mediação de
conflitos, nos marcos da legalidade e em estrita observância dos direitos humanos. Por
isso, muitos estudiosos, ativistas e profissionais da segurança pública, consideram que
qualquer projeto conseqüente de reforma das Polícias Militares, para transformar
métodos de gestão e racionalizar o sistema operacional, tornando-o menos reativo e
mais preventivo (fazendo-o apoiar-se no tripé diagnóstico-planejamento-avaliação),
precisa começar advogando o rompimento do cordão umbilical com o Exército.
A malha legal-institucional que descrevemos gera ambigüidades e um grande
número de problemas, sobretudo quando combinada à vigência de códigos
disciplinares arcaicos, que priorizam o perfunctório e negligenciam a atividade fim.
Esses regimentos penalizam o cabelo grande, o coturno sujo e o atraso com a prisão
do soldado, mas acabam sendo transigentes com o cometimento de crimes graves no
dia a dia do trabalho policial.

Nos próximos três parágrafos, ao contrário do que caracterizou esse
documento até aqui, abdicamos da neutralidade descritiva e da objetividade analítica,
e introduzimos nossas próprias opiniões -deixando, portanto, de lidar exclusivamente
com as opiniões dos profissionais que responderam ao questionário. Há uma razão
para isso.
A leitura do que escrevemos acima sobre as opiniões dos policiais e demais
profissionais a propósito do formato militar como padrão de organização policial pode
conduzir à conclusão de que só há um formato militar e que, por consequência, a
rejeição a ele manifestada pela maioria implicaria o repúdio de todo e qualquer
formato militar para a Polícia. Como as perguntas não incluíram alternativas que
previssem formato militar de tipo diverso daquele hoje vigente, não foi aberto espaço
para uma opção que conjugasse a rejeição ao formato militar tal como atualmente
vigente com a valorização do formato de natureza militar mas sob condições
diferentes, dotado de componentes distintos. Por isso, ainda que se possa inferir da
maioria das respostas um posicionamento francamente crítico do formato militar, e
mesmo que não seja lícito especular sobre alternativas não contempladas na questão,
tal como formulada, parece-nos justificável aduzir que a manifestação anti-militar
poderia qualificar-se e mostrar-se mais nuançada, em outro contexto inquisitivo e
dialógico, ante um repertório mais vasto de opções. De todo modo, nenhuma dúvida
deve restar quanto ao amplo repúdio do atual formato militar, indissociável da
vinculação com o Exército e do espelhamento que assim se produz.
Eis, então, algumas notas que apenas expressam a visão dos autores e não dos
respondentes:

(a) As ambigüidades e contradições legais limitam a liberdade gerencial,
reduzem o espaço para reformas organizacionais e tendem a engessar as Polícias
Militares. Não seria preciso, entretanto, desmilitarizar essas instituições para que elas
adquirissem flexibilidade e se adaptassem às exigências impostas, nos marcos do
estado Democrático de Direito e em conformidade com os Direitos Humanos, pelo
trabalho na segurança pública -o qual envolve transparência, controle externo,
participação social, e que é inteiramente distinto, como vimos, da segurança nacional.


É perfeitamente possível compatibilizar com o uso comedido da força, com a postura
preventiva, com a vocação comunitária e a descentralização, aspectos militares de
organização, que preservam a tradição da corporação, seus símbolos e identidade -os
quais são importantes em vários estados, onde a PM é respeitada pela população e
esta confiança representa um patrimônio impar.

(b) Mudanças já seriam extremamente importantes mesmo se fossem apenas
aquelas que, preservando as relações hierárquicas funcionalmente úteis para a
eficiência operacional e gerencial, suprimissem as demais, ou seja, as relações
(patentes, âmbitos de autoridade, ritos, signos, papéis e regras) que mimetizam a
organização do Exército.

(c) O mesmo valeria para formação, capacitação, treinamento, fluxos de
comunicação, processos decisórios, estabelecimento de rotinas e distribuição de
responsabilidade. Em outras palavras, os itens organizacionais e gerenciais relevantes
tornar-se-iam, a nosso ver, em um contexto ideal de reformas, objeto de adequação às
necessidades de performance, às peculiaridades dos problemas a resolver e às
especificidades das metas a atingir -e não de predefinições ditadas pela dependência
mecânica --e, hoje, absolutamente artificial-- do Exército.

Fonte :Blog da segurança

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